domingo, 23 de dezembro de 2012

Viver da própria luz

Quando eu tinha uns 12 anos de idade, minha família se mudou para o Rio de Janeiro, após muitos anos vivendo no estado do Espírito Santo.

Deslumbramento...  O que era tudo aquilo?  O que era poder ir ao Maracanã como quem vai à feira?  Ir a São Januário?  Abraçar Roberto Dinamite?!  Ir ao Cassino do Chacrinha com a minha turma da escola?  Aparecer na Globo? Normal, né?  E o que era aquela infinidade de estações de rádio FM pegando tãoooo bem???  O que era a Antena Um???..

Eu diria que o Espírito Santo (dos anos 70/80) era o lugar perfeito pra ser criança! Todas aquelas fazendas, casas com quintais imensos, ruas onde os nossos pais, sentados em cadeiras na calçada, nos olhavam brincar, todas aquelas crianças com a imaginação do tamanho do mundo, um povo receptivo, amigo. O cenário ideal pra uma infância memorável, como a que eu e meus irmãos tivemos.

Mas o Rio.. Ah.. o Rio..

Eu tinha todos os motivos pra estar feliz, certo? Errado.  Lembra-se? ‘Adolescência’, ou seja, ‘variação de humor’, ‘tristeza sem fim’, ‘necessidade de aceitação’, ‘busca do ‘quem sou eu?’’ e mais mil e uma indagações e incertezas..  Meus dias eram cinza, em sua maioria.

Então, um dia, na Antena Um, ouço pela primeira vez um músico chamado Djavan.  Love at first glance..

 E eis que naquele Natal farto, vem, junto com um aparelho de som de três andares(!), o disco ‘Djavan Luz’ (ainda hoje, fecho os olhos, e vejo direitinho aquele som ‘de última geração’, na esquina da sala de estar, com o disco em pé encostadinho nele.. Surpresas do meu pai.. sigh..)

E então, nas minhas tardes solitárias, sentada ao lado do som novo, explorando cada faixa do meu presente de Natal, deparo-me com a música que intitula o ‘LP’: ‘Luz’.  Bom, pensei, ela não era nem a música de trabalho do disco, então por que foi escolhida como título? Valia uma investigação. E aí escuto: “Na lição que o sol me traduz: viver da própria luz.”

Insight!!  Vislumbro a solução pra todos os meus problemas: viver da própria luz! Como nunca havia pensado nisso?! Como a arte toca vidas!..  Estava decidido: pro resto da minha vida, eu iria v-i-v-e-r  d-a  m-i-n-h-a  l-u-z. 

Confesso que essa decisão não é fácil de ser mantida, principalmente em momentos em que pouco contribui pra nossa felicidade. Porém, aí que está a grandeza do compromisso firmado..

Sua mãe parou de falar contigo? Tudo bem.  A galera da sala não te aceita bem?  Sem problemas. Seu marido vai trabalhar em outra cidade?  Veremos no que vai dar.  Você não tem mais ao seu lado pessoas que lhe são tão caras?  Vamos em frente.  

Assim, atravessei infância, adolescência e vivo a idade adulta:  buscando a felicidade no que é possível.

Parece meio Pollyanna?  Realmente, mas lhe digo: funciona. Procure um ponto de equilíbrio que resida em você. Tudo o mais tem que vir como um complemento. 

Aconteceu aquilo que eu queria tanto???!!!  Ótimo!!!  Oops!  Mas eu estava feliz antes!  Há!

E assim, a gente vai. 

Viver da própria luz é prática constante.  Exige foco e disciplina.  E não vou mentir:  tem hora que a gente fraqueja, cai até doente com uma puxada de tapete feia da vida.  Aconteceu comigo, e não foi nem uma, nem duas vezes. 

Mas aí, no meio da escuridão, me vem a lembrança daquele som, daquelas tardes, daquele cantinho da sala, daquele disco, daquela música, daquela decisão, e faz-se a luz.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Como 'me saber'?

Sempre dividi as pessoas em dois grandes blocos: o das as pessoas do mal e o das pessoas do bem (e me pergunto se alguém mais nesse mundo faz isso..)

Talvez você queira saber como as classifico.. Há vários quesitos.. Vejamos, para ser do mal é preciso, entre outras coisas, ser falso, prejudicar os outros.. o que mais.. maltratar os pais ou os filhos, humilhar as pessoas, ser injusto.. e por aí vai..

Mas, outro dia fiquei pensando: será que quem é do mal tem essa consciência?  Ou será que eles se consideram do bem?  Todos devem se considerar criaturas boas, claro. E partindo dessa premissa, será que eu sou do mal e não vejo?

Meu pai dizia que a cada maldade que uma pessoa pratica, ela vai se deteriorando por dentro. Porém, essas mudanças ficam imperceptíveis aos nossos olhos, até que um dia, finalmente, se mostram.

Ele falava isso com tanta propriedade que eu ficava até na dúvida se era só papo de pai educador ou verdade mesmo!...

Ele tinha, inclusive, uma história pra ilustrar isso tudo:

“Em um lugar distante, vivia uma mulher muito má. Mas na mesma proporção, bela e vaidosa.  Certa vez, alguém, indignado com sua atitude e arrogância, lhe diz: 

‘Você tem duas faces: uma que você vê e outra que está se moldando a cada crueldade sua.  Mas existe um espelho, não se sabe onde, capaz de mostrar quem verdadeiramente somos! E você ainda vai se deparar com ele.’

Assim, um dia, em circunstâncias desconhecidas, ela se viu diante do tal espelho: foi a visão mais aterrorizante que jamais tivera.  Sim, aquele espectro refletido era o que ela tinha se tornado.”


Havia nas histórias de meu pai algo que não sei explicar, talvez no modo em que ele as contava, no seu entusiasmo, na riqueza de detalhes, talvez na veracidade que ele passava..  Não sei dizer ao certo o que era, só sei que cada uma dessas simples histórias me deixava com um ponto de interrogação enorme por um bom tempo..  Acredite ou não, suas metáforas eternas permeiam minha conduta ainda hoje.
 
E me volta a pergunta: serei eu do bem como espero ser?  Parece que a velha história de meu pai veio de encontro a esse questionamento.  E se realmente nos encontraremos com a nossa verdadeira face em algum ponto da nossa vida, nessa hora, eu saberei.

"Girl at Mirror" by Norman Rockwell
                                                                                                                                                 Fernanda